terça-feira, 23 de julho de 2013

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Como fazer política diante do descrédito do povo?

Se não bastassem todos os aspectos favoráveis e didáticos das recentes e históricas manifestações nas redes e nas ruas, esta óbvia constatação do absoluto descrédito da população com todos os partidos e políticos tradicionais, e a consequente pressão por uma ampla reforma política, por si só já merece ser comemorada.

Há bastante tempo batemos nessa tecla da falência do atual sistema político-partidário, da falta de credibilidade dos políticos, da insatisfação e indignação crescentes (e justas!).

Mas é exatamente por aí que o PPS deve trilhar o seu caminho por uma nova forma de fazer política. Renovar-se de dentro para fora, captando das vozes das ruas as principais demandas da “democratização da democracia”, da reforma estrutural (e de caráter) que o país necessita e passou a cobrar, assumir sem vergonha um novo papel de interlocutor da sociedade no mundo da política institucional – e dessa classe média desprezada pelo PT e avessa aos partidos conservadores e de direita.

 Foi o que defendemos com o conceito da #REDE23:

Na democracia contemporânea os partidos não se bastam. Dependem, para fazer política, do estabelecimento e manutenção de redes de relações com movimentos, instituições, grupos na internet e até com personalidades influentes nos temas que trabalham. 

O partido não pode manter mais a posição de vanguarda da época da circulação restrita de informação e deve assumir a postura de interlocutor dos movimentos, co-formulador de suas reivindicações, à luz de suas diretrizes mais gerais, e seu tradutor na linguagem das leis e das políticas públicas. 


Se não abrirmos os olhos e nos despirmos de antigos dogmas (tão ou mais complexos que a difícil mudança de PCB para PPS, em 1992), repetiremos como farsa a tragédia do operário da obra-prima de Chico Buarque ("Construção"): morreremos na contramão atrapalhando o tráfego.

Srs. políticos, vamos voltar a enxergar a realidade?

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Líder? Que líder? Será o fim da velha política?

A esquizofrenia e o DNA golpista do PT 

sexta-feira, 19 de julho de 2013

"Anota aí: eu sou ninguém"

Como se a vivência de milhões de pessoas nas ruas inventando uma coreografia política e recusando carros de som não fosse "concreto"

Peter Pál Pelbart


Slavoj Zizek reconheceu no "Roda Viva" que é mais fácil saber o que quer uma mulher, brincando com a "boutade" freudiana, do que entender o Occupy Wall Street.

Não é diferente conosco. Em vez de perguntar o que "eles", os manifestantes brasileiros, querem, talvez fosse o caso de perguntar o que a nova cena política pode desencadear. Pois não se trata apenas de um deslocamento de palco --do palácio para a rua--, mas de afeto, de contaminação, de potência coletiva. A imaginação política se destravou e produziu um corte no tempo político.

A melhor maneira de matar um acontecimento que provocou inflexão na sensibilidade coletiva é reinseri-lo no cálculo das causas e efeitos. Tudo será tachado de ingenuidade ou espontaneismo, a menos que dê "resultados concretos".

Como se a vivência de milhões de pessoas ocupando as ruas, afetadas no corpo a corpo por outros milhões, atravessados todos pela energia multitudinária, enfrentando embates concretos com a truculência policial e militar, inventando uma nova coreografia, recusando os carros de som, os líderes, mas ao mesmo tempo acuando o Congresso, colocando de joelhos as prefeituras, embaralhando o roteiro dos partidos -como se tudo isso não fosse "concreto" e não pudesse incitar processos inauditos, instituintes!

Como supor que tal movimentação não reata a multidão com sua capacidade de sondar possibilidades? É um fenômeno de vidência coletiva --enxerga-se o que antes parecia opaco ou impossível.

E a pergunta retorna: afinal, o que quer a multidão? Mais saúde e educação? Ou isso e algo ainda mais radical: um outro modo de pensar a própria relação entre a libido social e o poder, numa chave da horizontalidade, em consonância com a forma mesma dos protestos?

O Movimento Passe Livre, com sua pauta restrita, teve uma sabedoria política inigualável. Soube até como driblar as ciladas policialescas de repórteres que queriam escarafunchar a identidade pessoal de seus membros ("Anota aí: eu sou ninguém", dizia uma militante, com a malícia de Odisseu, mostrando como certa dessubjetivação é condição para a política hoje. Agamben já o dizia, os poderes não sabem o que fazer com a "singularidade qualquer").

Mas quando arrombaram a porteira da rua, muitos outros desejos se manifestaram. Falamos de desejos e não de reivindicações, porque estas podem ser satisfeitas. O desejo coletivo implica imenso prazer em descer à rua, sentir a pulsação multitudinária, cruzar a diversidade de vozes e corpos, sexos e tipos e apreender um "comum" que tem a ver com as redes, com as redes sociais, com a inteligência coletiva.

Tem a ver com a certeza de que o transporte deveria ser um bem comum, assim como o verde da praça Taksim, assim como a água, a terra, a internet, os códigos, os saberes, a cidade, e de que toda espécie de "enclosure" é um atentado às condições da produção contemporânea, que requer cada vez mais o livre compartilhamento do comum.

Tornar cada vez mais comum o que é comum --outrora chamaram isso de comunismo. Um comunismo do desejo. A expressão soa hoje como um atentado ao pudor. Mas é a expropriação do comum pelos mecanismos de poder que ataca e depaupera capilarmente aquilo que é a fonte e a matéria mesma do contemporâneo - a vida (em) comum.

Talvez uma outra subjetividade política e coletiva esteja (re)nascendo, aqui e em outros pontos do planeta, para a qual carecemos de categorias. Mais insurreta, de movimento mais do que de partido, de fluxo mais do que de disciplina, de impulso mais do que de finalidades, com um poder de convocação incomum, sem que isso garanta nada, muito menos que ela se torne o novo sujeito da história.

Mas não se deve subestimar a potência psicopolítica da multidão, que se dá o direito de não saber de antemão tudo o que quer, mesmo quando enxameia o país e ocupa os jardins do palácio, pois suspeita que não temos fórmulas para saciar nosso desejo ou apaziguar nossa aflição.

Como diz Deleuze, falam sempre do futuro da revolução, mas ignoram o devir revolucionário das pessoas.

PETER PÁL PELBART, 57, filósofo húngaro, é professor titular de filosofia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, tradutor de Deleuze e autor de "Vida Capital" (Artigo publicado na Folha de S. Paulo de hoje, 19 de julho de 2013)

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Após despencar aprovação, Dilma canta "Vem pra Rua"

Lula pensa em inglês igual a Luciana Gimenez?

Famosa por suas gafes, além dos atributos físicos e, digamos, matrimoniais, a modelo e apresentadora Luciana Gimenez justifica qualquer bobagem cometida por "raciocinar em inglês".

Deve ser o mesmo mal que acomete o ex-presidente Lula, que tomou chá de sumiço durante semanas seguidas de manifestações no país e reapareceu só agora para tocar no assunto com um artigo autoelogioso e - pasme! - em inglês, publicado no jornal New York Times.


"Se desejasse, (Lula) poderia ter ido também à rua dialogar com os indignados durante o mês de junho. Mas o petista prefere escrever artigos para o New York Times", resume bem o jornalista Fernando Rodrigues sobre o autismo político do guru do PT, enquanto o governo de sua pupila Dilma Roussef afunda vertiginosamente.

Ou, como comenta Josias de Souza"Existem muitas teorias sobre o movimento que levou mais de 1 milhão de pessoas às ruas no outono brasileiro. Mas nenhuma explicação é tão extraordinária quanto a que Lula expôs em artigo distribuído pela agência de notícias do New York Times. Para ele, o Brasil desceu ao asfalto porque é um país das maravilhas."

O presidente do PPS paulistano, Carlos Fernandes, também comentou com ironia o artigo de Lula"Deve ter escrito em inglês e publicado fora do Brasil para não ser acusado de plágio pelo Fernando Henrique". De fato, em 2011 FHC já fazia um diagnóstico bem mais preciso sobre a situação do país e a necessidade de renovação partidária, que Lula copia (mal) dois anos depois, demonstrando apenas que o PT continua não entendendo nada do que está acontecendo no Brasil. What a shame!

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Não é só por 20 centavos, é pelos 70 reais!

Leia aqui: Manifestantes' ganham até R$ 70 para ir a ato sindical na Paulista

Quanto mais os entes da velha política se mexem e reagem às tais "vozes das ruas", mais profundo e gritante é o distanciamento da realidade. Quando a molecada gritava que não era só pelos 20 centavos, alguns analistas tradicionais apressaram-se em julgar negativamente o que chamaram de "protestos difusos" e a suposta fragilidade das múltiplas reivindicações. Erraram feio!

Os governantes, feito baratas tontas, anunciavam que convocariam os "líderes dos movimentos" para dialogar, sem perceber o tamanho da bobagem dita sobre manifestações espontâneas, multicêntricas e saudavelmente desorganizadas. Quem segue a velha cartilha dos partidos continua sem entender nada.

A presidente Dilma Roussef foi quem mais perdeu (e se perdeu): justo ela que nem era o alvo original dos protestos. Porém, (mal) orientada pelo marqueteiro João Santana, tentou em vão faturar eleitoralmente, atirando (mal, outra vez) para todos os lados: plebiscito da reforma política, 100% dos royalties do petróleo para Educação, importação de médicos do exterior, estudantes de medicina obrigados a trabalhar dois anos no SUS... tudo em vão!

Nesta semana assistimos a Câmara e o Senado varando a madrugada com votações em ritmo frenético, e os parlamentares com cara de tacho justificando na tribuna que aquilo tudo era "uma resposta às manifestações das ruas". Doce ilusão. A realidade, que os políticos-autistas não conseguem compreender, é que - façam o que fizerem, a essa altura - a avaliação dos partidos e dos políticos seguirá decadente. Está na casa dos 80% o índice de brasileiros que associa TODOS os partidos e TODOS os políticos à corrupção e à ineficiência.

Ontem foi o tal "Dia de Luta dos Trabalhadores", outro fracasso retumbante. Se não bastasse não ter o charme - muito menos o público - das manifestações históricas ocorridas em junho, nem a espontaneidade daqueles protestos, ainda as centrais sindicais que organizaram o ato foram flagradas pagando de R$ 50,00 e R$ 70,00 de "cachê" para figurantes fazerem número nas ruas.

O que já tinha um ar "fake" e um ranço oficialesco, reunindo mais de uma dezena de entidades cooptadas por partidos, tanto do governo quanto da oposição, acabou por frustrar a minoria de trabalhadores sérios que estavam ali fazendo reivindicações justas e honestas. Predominou a presença dos pelegos, convocados a mando de Lula, Rui Falcão e Zé Dirceu. Não podia mesmo dar certo, muito menos empolgar a população.

Leia também:

As diferenças: a rapaziada é #, a pelegada é $

As manifestações e o mal-estar contemporâneo



terça-feira, 9 de julho de 2013

Dilma começa a "ricuperar" o Governo

É inegável a capacidade que a presidente Dilma Roussef tem demonstrado para a "ricuperação" do governo...

É isso mesmo! Você não leu errado!

A presidente Dilma busca desesperadamente "ricuperar" o controle e a imagem do governo, seguindo o ensinamento involuntário do ex-ministro Ricupero, na gafe histórica (mas inacreditavelmente didática) da frase vazada nas antenas parabólicas: "Eu não tenho escrúpulos. O que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde."

Não que o PT dependa de influência externa para pôr as manguinhas de fora. Mas é que todo o estoque de maldades domésticas, do mensalão ao "controle social da mídia", parece ter se esgotado nesses 12 anos em que o PT está no poder.

Dilma já declarou que "vale fazer o diabo" para ganhar uma eleição e agora bateu o desespero para estancar a inédita queda de popularidade do governo. "Nunca antes na história deste país se viu tamanho vexame...".

O PT busca novidades no seu saco de maldades: na semana passada inventou um plebiscito para tentar impor à sociedade uma "novidade" que pode resultar em qualquer coisa, menos na tão desejada "reforma política" - talvez um "puxadinho eleitoral", conveniente para quem deseja implantar mudanças como o voto em lista e o financiamento público de campanha (embora à primeira vista isso pareça ir contra a demanda das manifestações de rua).

Agora Dilma tira da cartola outra solução mágica (ou mais um mero truque demagógico?) para os problemas da Saúde: quer aumentar os cursos de Medicina de 6 para 8 anos, obrigando os estudantes de faculdades públicas e privadas a prestarem dois anos de serviços obrigatórios no SUS para poderem se formar.

Ora, ora. Devemos nos posicionar CONTRA o serviço civil obrigatório de dois anos para os médicos, assim como somos contra o serviço militar obrigatório: "Não, obrigado!".

Nenhuma medida obrigatória, impositiva e impopular funciona por si só, e o caos do sistema de Saúde exige uma solução imediata. Não são cuidados paliativos nem placebos que vão tirar o país do coma.

A solução para os problemas da Saúde pública no Brasil não vai se dar milagrosamente com um "castigo" de Dilma aos médicos a partir de 2021 (pois a medida valerá para quem iniciar o curso de Medicina em 2015).

Dilma dá esmola com chapéu alheio. Põe na conta de futuros estudantes de Medicina a solução para um problema estrutural dos 12 anos de governo do PT.

Dilma, a má presidenta, que ninguém aguenta! Não há João Santana ou "Volta Lula" que dará resultado! Chega de PT no poder! O Brasil acordou!

segunda-feira, 8 de julho de 2013

A esquizofrenia e o DNA golpista do PT


Será exagero oposicionista tachar de esquizofrênico o comportamento do PT? Ora, qual o termo mais apropriado para um partido que convoca a militância para protestar contra o seu próprio governo e que suscita o "Volta Lula" com indisfarçável tom golpista e intimidatório, fragilizando mais ainda a "presidenta" que vê despencar a sua aprovação "como nunca antes a história deste país" e, em dois anos de má gestão, passou de "mãe do PAC" à filha da p... crise que abala o país?

O PT nasceu nas ruas, cresceu e se moldou na oposição; chegou ao poder, distanciou-se dos movimentos sociais que lhe deram vida, cooPTou os antigos inimigos para lhe darem sustentação neste governo catatônico, com um "núcleo duro" medíocre (a partir da chefe), e hoje têm uma sobrevida agonizante em praça pública. Agora o PT vai morrer sem entender o porque (no sentido oposto de forças vivas e renovadas como Marina Silva e Fernando Gabeira).

Eis o diagnóstico preciso do Dr. Google sobre a esquizofrenia: "Doença mental de fundo psicótico, caracterizada por uma dissociação das funções psíquicas e pela perda de contato com o mundo exterior, a esquizofrenia, outrora conhecida como demência precoce, tem como sintoma a diminuição da afetividade, quando não sua total supressão."

"Segue-se um desligamento do mundo por parte do doente, que se volta sobre si mesmo (autismo). As funções intelectuais são igualmente perturbadas, o que acarreta rapidamente a alienação. Os tratamentos usuais (eletrochoque, psicoterapia etc.) surtem algum efeito, mas os prognósticos de cura são sempre reservados."

O PT segue hoje comandado por Rui Falcão, coadjuvante de segunda linha que foi alçado à presidência do partido após seus principais líderes serem dizimados pelo escândalo do mensalão ou sofrerem contratempos menores quando chamados a socorrer esse (des)governo de coalizão.

O líder do partido na Câmara é ninguém menos que o deputado José Guimarães, irmão do ex-presidente condenado José Genoíno e ele próprio famoso pelo escândalo do dólar na cueca.

A base governista reúne Sarney, Collor, Temer, Maluf, Renan, Kassab, as bancadas evangélica e ruralista, entre outras excrescências fisiológicas. 

Dá pra levar o PT a sério? 

No Palácio do Planalto, Dilma Roussef segue nas mãos alopradas de Aloizio Mercadante (tratado como Primeiro-Ministro mas incompetente até na sua pasta, a Educação); Gleisi Hoffmann (cujo maior atributo é ser mulher do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo); Miriam Belchior (viúva de Celso Daniel e ministra do Planejamento supersincera ao afirmar que falta planejamento ao Governo); Ideli Salvatti (chorona contumaz no passado e no presente por sentir-se dividida entre o PT e Dilma); e o ministro Guido Mantega, que dispensa comentários e trocadilhos.

Entre os "intelectuais" (do tempo em que estas aspas irônicas eram desnecessárias), sobraram poucos para contar a história da derrocada petista: triste do partido que tem de recorrer hoje a Breno Altman (jornalista cujo ponto alto da carreira é ser porta-voz e/ou defensor dos sequestradores de Abílio Diniz e Washington Olivetto); ao sociólogo Emir Sader, famoso por abobrinhas, absurdossandices na internet; ao ator José de Abreu, que segue na mesma linha do anterior; ao jornalista Paulo Henrique Amorim, assalariado da Igreja Universal e remunerado com patrocínio governamental, que se apresenta como antídoto da "imprensa golpista" mas tem atenuante de senilidade; e à filósofa Marilena Chauí, inimiga nº 1 da classe média. Alguém mais se habilita?

Mas o "golpismo" não é novidade para o PT, seja agora com o "Volta Lula" ou com esse comportamento esquizofrênico comandado por Rui Falcão e Zé Dirceu ao convocarem a militância para protestar contra o seu próprio governo (aliás, esperamos que dessa vez o presidente do PT não apague o chamamento público).

Está no DNA petista, impregnado desde a origem do partido na década de 80, quando foi útil e conveniente para o governo militar dividir a Esquerda. Se não bastasse, o PT foi contra a eleição de Tancredo Neves em 1985, a promulgação da Constituição de 1988 e o governo de transição de Itamar Franco após o impeachment de Collor, entre outras incongruências. Há diferenças históricas inconciliáveis entre o PT e o PPS.

Hoje o PT é desmascarado nos Três Poderes, na mídia, nas ruas e nas redes. Toma lições de ética e moral diárias, e tem o seu governo tachado de "despreparado", com razão, por uma nova geração que cresceu "sem medo de ser feliz". Viva a democratização da democracia!

sábado, 6 de julho de 2013

Artigo de Fernando Gabeira: "O sertão virando mar"

Milhares de pessoas nas ruas, mais de 600 cidades em movimento, um protesto por hora: o Brasil foi sacudido pelo deslocamento de uma placa tectônica. Sob muitos aspectos, não seremos mais os mesmos.

Confesso que desejava ver manifestações de rua. Acompanhei algumas nos últimos dois anos, mas eram minúsculas e ignoradas. Sabia que o projeto do PT estava em declínio. Para mim, o partido, como energia renovadora, morreu nos primeiros anos do século. Pensava, no entanto, que só em 2018 a Nação se daria conta disso. O vigor e a diversidade das manifestações, porém, superaram minhas previsões.

Fixei-me no combate às fanfarronices do PT e não retomei os temas que desenvolvi em 2012. Um deles era a internet, uma revolução na minha atividade de jornalista. Por que não mudaria a política? Muitas pessoas que desprezam as petições online disseram que seus autores são ativistas de sofá, precisavam sair da frente do computador. Não perceberam que também os computadores trocaram o sofá pelas ruas. Em 2004, por mensagens nos celulares milhares de espanhóis se mobilizaram e mudaram o rumo das eleições.

Todos nos tornamos capazes de relatar e enviar imagens. Mas algumas empresas podem investir em obter e conferir os dados, deslocar-se para os grandes eventos. A separação entre imprensa e redes sociais é relativa, porque uma metaboliza o conteúdo das outras. Reproduzido pela imprensa, tudo o que os políticos fizeram - e não foi pouco - acabou despertando a fúria de milhões de brasileiros, que se tornaram mais poderosos com a revolução tecnológica.

E agora? Dilma foi tragada pela crise. As dificuldades econômicas tendem a se agravar e o mundo encantado do "nunca antes nesse país" foi para o espaço, seus marqueteiros estão fazendo pesquisas qualitativas na camada de ozônio.

Estamos navegando na neblina. Mas alguns contornos, para mim, estão nítidos. Na luta contra a corrupção, não é necessário acrescentar um adjetivo na lei: crime hediondo. Isso me faz lembrar os trens italianos, que não chegavam na hora, mas iam mudando o adjetivo: rápido, muito rápido, rapidíssimo. O melhor instrumento é a aplicação real da lei acesso às informações oficiais. Por que não investir nisso? Custa menos que os milhões de cada grande escândalo na era do "nunca antes". As grandes demandas sociais poderiam ser parcialmente satisfeitas se o governo cortasse seus gastos, reduzisse ministérios, cargos de confiança, gastos com viagens, até cachê do cabeleireiro.

Em 2012 defendi a ideia de um governo inteligente, não no sentido do QI de seus ministros, mas da capacidade de usar os meios tecnológicos para baratear custos e, simultaneamente, conectar-se a grande número de pessoas. A internet não é uma panaceia, apenas um game changer: poderoso instrumento para utilizar racionalmente os recursos diante das crescentes demandas, não só de melhores serviços públicos, mas também de ampliação da democracia.

Não é tarefa fácil. Os burocratas do PT respondem ao movimento das ruas com um plebiscito, na tentativa de dar ao processo o final empolgante de uma reunião de condomínio. O objetivo do PT é controlar tudo, como já controla o processo político. Num país onde muitos eleitores não se lembram do parlamentar em quem votaram, eles querem aprofundar a distância por meio de lista fechada. Na verdade, o governo não entendeu os novos tempos simplesmente porque sua estrutura mental não o permite. É uma estrutura fortemente hierarquizada. Participar das redes sociais, para eles, significa pagar a um batalhão de idiotas para repetir slogans e escrever blogs venenosos.

Em 2010 recolhi material para demonstrar que Sérgio Cabral contratara empresas no exterior para fingir que tinha apoio entre os internautas. Eram empresas nos EUA e o texto mal traduzido denunciava que os aplausos haviam sido escritos em inglês e partiam dos mesmos lugares. Diante de um fenômeno tão rico na comunicação humana, tudo o que buscaram foi a melhor maneira de trapacear.

Na semana passada vimos a rua onde mora Cabral, no Leblon, ser ocupada por manifestantes. Ele não pôde ir ao Antiquarius, o restaurante vizinho onde tem um babador com seu nome e o escudo do Vasco da Gama. Cabral é o filhote querido de Lula, expressão local da megalomania, safadeza e dissolução da aliança que governa o País.

Embora a construção do futuro seja o principal enigma no momento, é reconfortante constatar que as mentiras foram descobertas e de súbito uma nova realidade emergiu no País. Os quase dez anos de exílio ao menos me ensinaram, como descendente de tuaregues, a atravessar o deserto com um copo de água. O oásis que projetei para 2018 acabou se aproximando. Miragem?

Compreendo os pessimistas que esperam algo pior. Estão fixados nos coelhos que os burocratas do PT podem tirar da cartola. Considero que as manifestações foram um salto de qualidade no processo democrático e vão impulsionar mudanças culturais positivas - a desmitificação do futebol como ópio do povo, por exemplo. Não há dono da verdade dentro da neblina. Mas, para mim, nasceu uma flor no asfalto, como dizia o poeta.

O processo de redemocratização, iniciado com a queda da ditadura militar, a nova Constituição, as eleições diretas, todo esse enredo que já conhecemos entra em nova fase. Mas como afirmar isso, se o Congresso ainda é presidido por Renan Calheiros e não se dissipou o clima de devastação moral e a pilhagem promovida por PT e aliados? Esta semana o presidente da Câmara, deputado Henrique Alves, levou a família num avião da FAB ao Maracanã, em plena crise. Fulminado pela transparência, devolveu uma fração da grana.

A tática é inventar palavras mágicas, projetos demagógicos, para segurar as ruas. Mas só esparramam gasolina, à espera de que alguém grite "fogo!"da próxima vez. A violência é sua última esperança de sobrevida. Não se pode cair na arapuca histórica do século passado. É possível derrotá-los com energia, paciência e até um certo humor.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Artigo de Marina Silva: "O senhor e os anéis"

A pororoca de protestos nas ruas suscita várias tentativas de interpretação. Mas a visão do novo fenômeno está condicionada à posição de cada um: há os que olham da janela, das frestas, dos palácios ou das mesmas ruas onde caminham os manifestantes. Há os que se regozijam com os ventos da mudança e esforçam-se por descortinar novos horizontes. Há os que fecham as janelas e tentam ocultar a beleza do momento nas sombras da intolerância e do autoritarismo, construindo uma narrativa que mantenha tudo no lugar, do jeito que sempre foi.

Muitos ressaltam que uma parte crescente da população paga impostos e que, portanto, revolta-se com a corrupção, o desperdício e a baixa qualidade de serviços oferecidos pelo Estado em saúde, educação, transporte e segurança.

Ainda assim, é preciso ir mais fundo e perguntar: o que gerou a insatisfação que explode nas ruas? Como chegamos a tal estado de frustração? Por que os representantes se apartaram dos representados? Por que a corrupção é tão persistente? Por que sacrificamos os recursos naturais de milhões de anos pelo lucro de algumas décadas? Por que predomina a indiferença com o futuro e as próximas gerações?

Por mais densas que sejam, essas questões foram, ao mesmo tempo, formuladas e respondidas neste memorável junho de 2013. O "éthos" do movimento é uma irrupção de valores, o grito de uma ética libertária e profunda. E não foram apenas "os jovens", mas todas as gerações, pais e avós juntos aos filhos e netos, dizendo: o Brasil é nosso e nós o queremos melhor. A rejeição não era "aos políticos", mas aos vícios que o sistema por eles criado e gerenciado consagrou. A exigência é básica: respeito.

Esse clamor constrange a todos, pois os problemas da política, devo insistir, não são técnicos, mas éticos. Não falta metodologia para tornar o Brasil uma potência educacional, não falta ciência para vivermos com boa saúde, não falta tecnologia para a mobilidade urbana. Faltam vontade política e senso de responsabilidade, eis o motivo do constrangimento.

Infelizmente, alguns nem se constrangem. A frase do vice-presidente da República é reveladora do que as ruas denunciam: "O Congresso estará obrigado a seguir o que o plebiscito deliberou? Não. Ele faz o que quiser, ele é o senhor absoluto, não poderá perder o protagonismo político".

Na democracia, o poder emana do povo e por ele é exercido. Dele é o protagonismo, cuja perda foi denunciada e resgatada em grandes manifestações. O Estado é instrumento. O poder político é o de representar, não o de substituir o povo. O trabalho não é apenas para ele, mas com ele.

Esse é o valor que sustenta uma democracia. O resto são anéis, que alguns amam mais que aos próprios dedos.

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Queremos inteiro, não pela metade